Paulo Afonso, 27 de abril de 2024

Emiliano José

Mídia e o silêncio diante da absolvição de Dilma nas pedaladas

Há um estranho modo de existir de nossa mídia empresarial. Como se ela passasse pela história sem culpas. Como se o noticiário produzido por ela fosse fruto do acaso. Como se tal noticiário fosse caindo no colo dela, como se com ele não tivesse responsabilidade histórica. Como se os chamados fatos  tivessem vida própria e ela simplesmente os reproduzisse. Assim, com tal filosofia ela segue impávida pelo mundo, sem a necessidade de dar conta dos atos dela porque, afinal, são acontecimentos sobre os quais ela não têm, não teve controle – acontecem, e ponto.

Uma leitura inocente, claro. Leitura volta e meia sacada da algibeira, a explicar o passado, remoto ou próximo. Não, vou ceder à tentação de retroagir à ditadura e à escandalosa, obscena atuação da mídia para garantir a chegada do regime de terror de 1964. Disso, tratei em inúmeras ocasiões. Senti-me tentado a pedalar em torno do golpe de 2016, antessala da chegada de Bolsonaro ao poder. A mídia embarcou de mala e cuia no esforço para levar Michel Temer ao poder, e fez das tripas coração para construir uma narrativa a excluir a ideia de golpe, procurando razões legais para tirar a presidenta Dilma do cargo de presidenta da República

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?…

Ela poderia recorrer melancolicamente ao poema de Drummond, quando tomou conhecimento da notícia da absolvição da presidenta Dilma em relação ao chamado crime das pedaladas fiscais. Recorrer, recolher-se um pouco, quem sabe dar-se ao trabalho de uma autocrítica, publicar um erramos, num assomo de honestidade. Mas que nada. Ela marcha, impávida, colosso:

...Você marcha, José!

José, para onde?

Nem se pode dizer marcha sem rumo. Nunca lhe faltou rumo. Nossa mídia sabe o que quer. Folha, Globo e Estado de S. Paulo tomaram praticamente como inexistente a notícia a isentar a ex-presidenta Dilma Rousseff, o ex-ministro Guido Mantega e o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho das chamadas pedaladas fiscais.

Constituíram-se no argumento central do golpe de 2016, não importando fossem uma farsa grotesca, e foram utilizadas à saciedade pela mídia para assegurar a chegada de Michel Temer ao poder, de modo a produzir um choque neoliberal na economia brasileira, garantindo os interesses dos mais ricos. Como sempre, a mídia empresarial brasileira é protagonista de um golpe destinado a favorecer os poderosos, aqui no caso especialmente o capital financeiro.

A mídia, ao olhar para o passado, faz de conta não ser com ela. O desastre da sequência no pós-golpe, o governo Temer e todo o rigor contra os direitos dos trabalhadores, a eleição depois do presidente capaz de praticar um genocídio e dar sequência a uma política de corte ferozmente neoliberal, tudo isso parece ter sido fruto do acaso, e não de escolhas políticas, e de farsas, como a da pedalada. Além da presidenta Dilma, agora ao menos podendo respirar e dar mostras de competência à frente do banco dos BRICS, a mídia parece ter uma especial tendência à perseguição do ex-ministro Guido Mantega, sempre acossado por ela. Fico satisfeito por vê-lo também absolvido, ao lado de Luciano Coutinho. A história continua dando cambalhotas. A mídia parece não enxergar.

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