Paulo Afonso, 20 de abril de 2024

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Roberto tem gosto de Fratelli Vitta

Na última segunda-feira, 19 de abril, Roberto Carlos fez 80 anos. Os poucos que me dão a honra sabem que vez ou outra cito suas canções por aqui, já que elas me acompanham desde quando eu pedalava minha bicicleta de rodinhas pelos becos de Glória e sua voz saía do alto-falante da praça ritmando meus cambitos, ora dizendo que era proibido fumar, ora avisando de um leão solto nas ruas, outras tantas freando o carango na contramão só pra azarar um brotinho na calçada, que imaginava Wanderléa com sua botinha ¾ sobre o meio-fio da esquina do bar de Miguel Campos.

Pois bem, num recente texto sobre o fechamento do restaurante Cervantes, Joaquim Ferreira dos Santos, escritor dos bons e colunista de O Globo, disse que um homem é feito dos livros, dos abraços e das comidas de sua infância. Faltou acrescentar, meu velho Joaquim, uma generosa pitada de canções, tempero ideal pra adoçar leituras, azeitar amplexos e relembrar sabores escondidos bem na gordurinha grudada na farinha do miolo à milanesa que você tanto comia por lá, cujo sanduba de pernil ainda hoje me visita quando lembro daquela Copacabana que baianos adoravam amar.

Dito isto, sopro a poeira dos vinis com a marca da CBS no meio e aproveito pra contar novamente um delicioso fato que acontecia na década de 1970 em Paulo Afonso, quando quase todas as barracas das festas de fim de ano eram batizadas com nomes de suas canções.

A coisa funcionava da seguinte maneira: os barraqueiros mais tradicionais possuíam, digamos, o monopólio sobre as mais antigas, enquanto os novatos tinham de correr pra descobrir quais as mais tocadas do seu recém-lançado LP, pra depois estampá-las nas suas testeiras.

E assim, com a rua transformada numa imensa coletânea real, você podia tomar um sorvete em frente à Lady Laura, comer uma rodela de pão com carne moída nas Curvas da Estrada de Santos, tomar todas Embaixo dos Caracóis de Seus Cabelos ou se empanturrar de batata frita na Ilegal, Imoral ou Engorda.

Eu mesmo, depois de sair do Meu Pequeno Cachoeiro, costumava ir pra Além do Horizonte, que ficava entre As Flores do Jardim da Nossa Casa e Como é Grande o Meu Amor por Você. Mas a saideira era sempre sob o manto de Jesus Cristo que, tal a capa pendurada, assistia a tudo e não dizia nada.

Pra terminar, uma historinha que não conhecia. Conta o jornalista Oscar Pilagallo, que por cultuar o rock americano certa vez um crítico o chamou de laranjada. Aí Caetano, bem ao seu estilo, retrucou dizendo que de tão nosso, na verdade ele era uma espécie de guaraná. Assino embaixo e digo que, no meu caso, com o gostinho do Fratelli Vitta que tomei nas imediações da Rua Chile, num tempo em que o mesmo Sol que brilhava na estrada, projetava minha sombra flanando por caminhos onde nunca passei. Viva el Rey!

 

Janio Ferreira Soares é Secretário Municipal de Esportes e Cultura de Paulo Afonso e colunista do jornal A Tarde.

Foto: Acervo Folha Sertaneja – Paulo Afonso – Bahia

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