Paulo Afonso, 5 de maio de 2024

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Pais de Beatriz, menina morta com 42 facadas em uma escola particular de Petrolina, em 2015, buscam por justiça

Lúcia Mota e Sandro Romilton caminharam mais de 700 quilômetros de Petrolina ao Recife para pedir justiça pela filha. Mãe andou 700 km até Recife em protesto pelo assassinato não desvendado da filha: ‘Vivo para garantir um inquérito justo’

Como uma criança pode ser morta em uma festa com 2 mil pessoas e até hoje não ter aparecido nenhuma testemunha? Por que algumas imagens de câmeras de segurança da escola foram apagadas durante as investigações? Estas são algumas das questões que os pais de Beatriz Angélica Mota, assassinada em uma escola particular de Petrolina, no Sertão, em 2015, buscam esclarecer.

Lúcia Mota e Sandro Romilton caminharam mais de 700 quilômetros de Petrolina ao Recife para pedir justiça pela filha. “Bom dia, caminhoneiros, eu sou Lucinha Mota, sou mãe de Beatriz Angélica Mota, minha filha ela foi assassinada no dia 10 de dezembro de 2015, em Petrolina. E em busca de justiça eu estou caminhando de Petrolina até o Recife”, avisava, por onde passava.
A menina de 7 anos participava da formatura da irmã em uma das escolas mais tradicionais de Petrolina quando saiu para beber água e desapareceu.
Reprodução/TV Globo

A peregrinação começou no dia 5 de dezembro de 2021. “Nós já tínhamos realizado todos os tipos de manifestos. São seis anos, praticamente todos os meses um manifesto, então a gente precisava de algo que realmente impactasse”, contou a mãe de Beatriz.
A menina de 7 anos participava da formatura da irmã em uma das escolas mais tradicionais de Petrolina quando saiu para beber água e desapareceu. Imagens mostram a caçula da família Mota sorrindo perto do pai, ao lado da mãe.
Imagens mostram a caçula da família Mota perto do pai e da mãe antes de desaparecer
Reprodução/TV Globo

Ao perceber o desaparecimento, o pai, que na época era professor de inglês na escola, pega o microfone e se desespera. “Beatriz, minha filha, cadê você? A gente está te procurando. Apareça, minha filha”, pede.
O corpo de Beatriz foi encontrado 40 minutos depois em um depósito perto da quadra onde acontecia a festa, a 30 metros do bebedouro. Ela foi assassinada com 42 facadas.

“Não pudemos defender Beatriz aquele momento que aconteceu. Eu não fui capaz de proteger. O que me resta agora é lutar para saber o que aconteceu, entender as causas, por que isso? Por quê esse ódio? Por que essa crueldade existe na humanidade?”, questionou Sandro.

A luta por justiça hoje é a razão de viver de Lúcia Mota. “Eu vivo para garantir à Beatriz um inquérito justo. Foi tirada dela a vida, o bem mais precioso que ela tinha, seus sonhos e a Polícia Civil de Pernambuco não deu a ela o mínimo, que seria um inquérito justo, que seus assassinos fossem presos, punidos, condenado. Então hoje eu vivo para garantir isso à minha filha”.
O corpo de Beatriz foi encontrado em um depósito perto da quadra onde acontecia a festa, a 30 metros do bebedouro
Reprodução/TV Globo

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Pernambuco (OAB-PE) , Bruno Baptista, as falhas ocorreram principalmente no início do inquérito. “Logo após a ocorrência do crime, que realmente é crucial nisso. O isolamento do local, que seria importante para as perícias, para que pudessem ser realizadas. Faltou também aí realmente as câmeras de segurança, houve uma dificuldade com relação à obtenção de imagens”, destacou.
O secretário de Defesa Social de Pernambuco, Humberto Freire de Barros, diz que as imagens apagadas foram recuperadas.

Ele acrescentou que foi instaurado um inquérito para apurar se foi intencional ou se foi acidental no próprio manuseio.
“Um segundo inquérito que fora instaurado, além daquele inquérito do próprio homicídio, esse segundo inquérito, num momento da investigação, opinou pelo indiciamento de três pessoas e inclusive com pedido de prisão, mas foi remetido à Justiça e, ao que consta, até o momento não há denúncia dessas três pessoas indiciadas”, disse.
Pais da menina Beatriz Angélica, Sandro Romildo e Lúcia Mota, em caminhada na terça-feira (28)
Reprodução/TV Globo
Na sexta-feira (28), mesmo dia em que Lúcia chegou ao Recife, um perito que atuou no caso foi demitido. Ele era sócio de uma empresa que fez um projeto de segurança para a escola onde Beatriz foi morta.
Foi considerado que ele infringiu o artigo 4ª da Lei Estadual n.º 6.425/72, que proíbe ao servidor “praticar ato que importe em escândalo ou que concorra para comprometer a dignidade da função policial”, “participar de gerência ou administração de empresas. Qualquer que seja a sua natureza” e “exercer comércio ou participar de sociedade comercial, salvo como cotista ou mandatário”.

Por telefone, Diego Henrique Costa falou com o Fantástico. Ele disse que o trabalho privado para a escola foi feito em 2019, portanto, quatro anos após o crime.
“Misturar o fato de ser sócio de empresa com eu ter ou não participado, de maneira a macular as provas de um crime, há uma distância muito grande, né? A perícia trabalha com evidências. Ela não trabalha com suposições. Se por acaso algum laudo meu ou que eu participei tiver problemas ou tiver suspeitas, não tem problema nenhum. Coloque para outros peritos analisaram o que foi produzido e vamos à discussão científica e não a achismos, teorias de conspiração”, afirmou o ex-perito da Polícia Científica de Pernambuco.
Investigações

As investigações para tentar solucionar este crime prosseguem sob o comando de uma força-tarefa formada por quatro delegados. Também foram realizadas sete perícias, mas ninguém foi preso. O inquérito tem 24 volumes, 442 depoimentos e 900 horas de imagens analisadas. Seis anos depois, o mistério e a impunidade permanecem.
A imagem de uma câmera de segurança mostrando um possível suspeito chegou a circular, mas a polícia não conseguiu identificá-lo.

A imagem de uma câmera de segurança mostrando um possível suspeito chegou a circular, mas a polícia não conseguiu identificá-lo
Reprodução/TV Globo

Para a mãe de Beatriz, a polícia de Pernambuco errou e continua errando no caso. “A Polícia de Pernambuco sabotou o inquérito de Beatriz e agora ela tem a oportunidade de corrigir esse erro, mas escolheu simplesmente acolher os assassinos, proteger os assassinos, é isso que a Polícia Civil de Pernambuco está fazendo, porque um governo que tolera impunidade ele é cumplice da criminalidade”, afirmou Lúcia Mota.

Sobre as críticas, o secretário Humberto Freire reconheceu que houve dificuldades em momentos da investigação.
“Houve complexidades próprias de um crime desta natureza, em que você não consegue já em um primeiro momento ter elementos que levem a suspeitos. Mas nós estamos permanentemente buscando e por isso que escolhemos esses quatro delegados para integrarem a força-tarefa, com respectivas equipes, exatamente para que a gente possa explorar cada linha de investigação que já tenha sido ventilada e que venha a surgir. Não vamos descansar até que nós tenhamos realmente chegado ao culpado”, disse.

Depois do assassinato de Beatriz, Lúcia Mota enfrentou uma depressão profunda e perdeu mais de 30kg. Buscou forças e resolveu fazer faculdade de direito para acompanhar as investigações.
Passou também a praticar exercícios físicos todos os dias. E há dez meses começou a se preparar para a peregrinação.

Caso Beatriz: pais caminham mais de 700 quilômetros e se reúnem com governador
A maior parte da caminhada de Petrolina ao Recife foi em ritmo acelerado. Foram percorridos 5 quilômetros por hora. A cada noite, entre 30 e 40 quilômetros ficavam para trás (veja vídeo acima).
Tudo foi muito organizado. Lúcia, o marido Sandro e mais seis pessoas que estavam na caminhada paravam de três em três horas para tomar água, comer uma fruta ou fazer um lanche.

A cada oito quilômetros percorridos, trocavam o curativo e cuidavam dos pés. Bacias de gelo eram usadas para acelerar a recuperação.
A cada parada, gente do povo, da cidade, recebia os caminhantes. Mais de 50 pessoas se integraram ao grupo para pedir justiça.

A cada oito quilômetros percorridos, os pais de Beatriz trocavam o curativo e cuidavam dos pés
Reprodução/TV Globo

Depois de 23 dias caminhando, Lúcia chegou ao Palácio do Campo das Princesas, sede do do governo de Pernambuco e foi recebida pelo governador Paulo Câmara (PSB). Os pais de beatriz receberam a promessa de que o estado vai apoiar a federalização do caso.
Agora cabe à Procuradoria Geral de Justiça analisar e decidir se há elementos para que a Polícia Federal entre na investigação.

“Eu creio que os requisitos aí estão presentes, a gente tem aí tanto a questão da violação de direitos humanos, tratados dos quais o Brasil é signatário. Inúmeros tratados [dos quais] o Brasil é signatário, de defesa das crianças e dos adolescentes, e, por outro lado, é um crime de repercussão”, afirmou o presidente da OAB-PE, Bruno Baptista.

“Essa outra apuração que ocorrerá em paralelo à nossa força-tarefa, que prossegue. Caso haja a federalização, buscando esse culpado que é o interesse de todos, chegar realmente a esse autor desse crime bárbaro e levá-lo ao sistema de Justiça”, salientou o secretário Humberto Freire de Barros.
A mãe de Beatriz disse como quer que as pessoas interpretem o seu gesto. “Eu gostaria que as pessoas recebessem essa mensagem com amor, com amor, o sentimento de amor de uma mãe com um filho. Esse gesto é para Beatriz. Eu estou fazendo tudo isso para Beatriz”, emocionou-se.

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