Paulo Afonso, 29 de março de 2024

Janio Ferreira Soares

No tempo em que sabiás escreviam crônicas

Leio que finalmente está saindo do forno, não os inigualáveis pãezinhos que seu Ulisses fazia na minha infância, embora os aromas interliguem os fatos. Trata-se de “Os Sabiás da Crônica”, reunião de 90 textos de seis autores que nunca tinham sido, digamos, misturados na mesma fornada, dessas que resultam delicadas broas dignas de um café quentinho num amanhecer de outubro.

A ideia começou quando a editora Maria Amélia Mello viu uma foto no jardim da cobertura de Rubem Braga, onde nela estavam, estranhamente engravatados, ele, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Carlinhos Oliveira, Stanislaw Ponte Preta, Fernando Sabino e mais um jovem amigo de Vinicius destoando em mangas de camisa, que se já não atendesse por Chico Buarque decerto passaria por um intruso tico-tico, ali apenas pra bicar o alpiste escocês que sobejava naquele fértil viveiro onde Ipanema roçava Glasgow.

Pois bem, quem os visse como essas pessoas que cultuam mais o cifrão do que a leveza das palavras, jamais poderia imaginar que ali estava o suprassumo da crônica brasileira da época, assim vestidos porque pousavam para a lente do velho e bom Paulo Garcez (juntamente com Chico os únicos sobreviventes do encontro), que pra nossa sorte deixou o posto de fotógrafo oficial de Juscelino Kubistchek e tornou-se “O fotógrafo do Pasquim”.

E na tarde daquele novembro de 1967, o sol deu o tom exato para o obturador de sua Nikon captar memoráveis fotos, que se na ocasião eram pra divulgação da Sabiá (uma nova editora que Fernando Sabino e Rubem Braga estavam lançando), hoje cumpre o papel de nos mostrar a descontração dos seis já depenados das plumagens que a ocasião exigia, tranquilamente tomando a água que só passarinhos de verdade não bebem e jogando trinados fora na famosa cobertura da Barão da Torre.

No prefácio do livro, o professor de Literatura Brasileira da USP, Augusto Massi, reitera que a maioria das revistas, jornais e editoras que publicaram essas crônicas já desapareceram, assim como todos os bares, restaurantes e boates citados nelas. Os próprios sabiás bateram suas asas e hoje, se justiça poética houver, devem estar onde a primavera é eterna e as crônicas brotam diariamente em amendoeiras que nunca se despem.

Mas o que conforta, caro Massi e grande Maria Amélia, é saber que o canto dessa passarada sempre se fará presente enquanto publicações assim lembrar, por exemplo, daquele almoço em Minas, onde Rubem Braga, como sabiá-mor, canta que o lombo era tão suave que seu dono devia ser “um porco extremamente gentil, expoente da mais fina espiritualidade suína” e, por isso, “a polpa se abria, levemente enfibrada, muito branquinha, desse branco leitoso e doce que têm certas nuvens às quatro e meia da tarde, na primavera”.

Pra terminar, um aviso aos poucos que perdem tempo escrevendo pra este velho aprendiz de sanhaço: o globo.com encerrou suas atividades e a partir de amanhã, 24/10, estarei disponível através do [email protected] ou [email protected]. Dito isto, às broas.

 

*Jânio Ferreira Soares é Secretário Municipal de Cultura, colunista do Jornal a Tarde, e colaborador do Portal Tribuna Mulungu

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