Uma menina de 11 anos está sendo mantida pela Justiça em um abrigo de Santa Catarina, para evitar que faça um aborto autorizado. Vítima de estupro no começo do ano, a menina descobriu a gravidez com cerca de 22 semanas quando, ao ser encaminhada a uma unidade de saúde em Florianópolis, teve negado o procedimento para interromper a gestação. No Hospital Universitário, o processo é permitido até 20 semanas de gestação.
A criança, que tinha 10 anos quando foi ao hospital, corre risco a cada semana que é obrigada a levar a gestação adiante devido à sua idade, segundo laudos da equipe médica anexados ao processo.
A juíza Joana Ribeiro Zimmer afirmou, em despacho de 1º de junho, que a ida ao abrigo foi ordenada inicialmente para proteger a criança do agressor, mas agora havia outro motivo. “O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”.
Situação foi revelada em reportagem dos sites Portal Catarinas e The Intercept nesta segunda-feira (20). O caso foi parar na Justiça.
“Apesar de argumentar em juízo que quer o bem da filha, o fato é que se a menina não estivesse acolhida, teria sido submetida ao aborto obrigada pela mãe, portanto, diferente de proteger a filha, iria submetê-la a um homicídio”, escreveu a juíza na decisão. Nesse sentido, a juíza fundamentou que o aborto só seria possível com menos de 22 semanas de gestação ou 500 gramas do feto.
Em audiência no dia 9 de maio, ainda Justiça e Promotoria propuseram manter a gestação por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar a sobrevida do feto.
“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, perguntou a juíza para a menina durante audiência gravada em vídeo.A menina já caminha para a 29ª semana de gravidez. Uma gestação leva, em média, 40 semanas.
Em 4 de maio, quando foram ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, o HU, ligado à UFSC, a mãe e a menina afirmaram à psicóloga do hospital que não queriam manter a gravidez, segundo laudo da profissional.
“Logo, não se impediu o aborto da menina, porque passado o prazo legal e também o tamanho adequado para o bebê, o que foi impedido por esse juízo foi o cumprimento de uma ordem que já não era mais de aborto e só não foi cumprida porque a menina estava institucionalizada, pois se estivesse com a mãe, teria sido realizado o procedimento sem a salvaguarda da vida do bebê”, considerou.
A magistrada ainda escreveu, no despacho, que menina passou por três avaliações médicas recentes e que, em nenhuma delas, se falou em risco para a saúde da menor:
“Ora, a existência de dois laudos diversos de autoria da mesma equipe, com poucos dias de diferença, um indeferindo administrativamente o pedido de interrupção da gestação e outro requerendo-o enquanto o primeiro atesta inexistência de risco de morte da gestante e o segundo funda-se no risco geral da saúde da menina por causa da idade sem, friso, apresentar qualquer informação sobre o quadro de saúde dela. Anoto, a menina já passou por três avaliações médicas, todas recentes, sem que os médicos indicassem a interrupção por risco à sua integridade física”.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina afirmou que o processo está em segredo de Justiça, pois envolve uma criança, e que instaurou um pedido de providências na esfera administrativa para apuração dos fatos.
O órgão informou, ainda, que “tratando-se de questão jurisdicional, não cabe manifestação deste Tribunal, a não ser por seus órgãos julgadores, nos próprios autos em sede de recurso”.
A menina sofreu a violência aos 10 anos. O Conselho Tutelar da cidade em que a criança morava quando foi violentada acionou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Procurado, o órgão que ingressou com o pedido para acolhimento da criança a um abrigo de forma provisória informou que “se manifestou pela autorização da realização da interrupção da gravidez de forma antecipada”. No entanto, a “realização depende de uma decisão balizada por critérios única e exclusivamente médicos, de modo a preservar a vida da infante e do nascituro”.
De acordo com informações do G1 o Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, onde a menina inicialmente foi atendida, emitiu em nota que a unidade disse que não repassa informações sobre procedimentos relacionados ao prontuário de pacientes. “Além disso, manifestações, no momento, não são possíveis porque o caso corre em segredo de justiça”.
O hospital é referência para o município de Florianópolis para a interrupção legal da gestação desde 2005 e informou que segue as portarias e normas técnicas definidas pelo Ministério da Saúde em relação ao procedimento.
“Quando ocorre de ultrapassar o limite da idade gestacional estabelecido pelo protocolo para conduzir o procedimento, orientamos a família a recorrer judicialmente para assegurar esse direito. Realizamos inúmeros encaminhamentos ao poder judiciário que, normalmente, defere o pedido com agilidade, compreendendo a complexidade e urgência da situação. No entanto, há situações, pontuais, cuja conduta do poder judiciário não corresponde à expectativa da equipe assistencial do HU em atender as demandas de saúde na sua integralidade”.
“É importante destacar que o procedimento de aborto legal no HU depende desta autorização da justiça quando ultrapassa as 20 semanas e 00 dias. O MP não baseou seu pedido no parecer da equipe especializada do HU-UFSC. Em todas as circunstâncias o HU buscou garantir a assistência em saúde e os direitos humanos à criança, ofertando assistência à saúde, e avaliação da equipe multidisciplinar em relação à melhor conduta para a situação. Esta instituição, que é uma das únicas do Estado de Santa Catarina a oferecer um serviço de aborto legal, sempre trabalhou com intuito de assegurar o direito das mulheres”.