Paulo Afonso, 19 de março de 2024

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Juíza impede que menina de 11 anos grávida após estupro faça aborto legal e compara procedimento a homicídio

Uma menina de 11 anos está sendo mantida pela Justiça em um abrigo de Santa Catarina, para evitar que faça um aborto autorizado. Vítima de estupro no começo do ano, a menina descobriu a gravidez com cerca de 22 semanas quando, ao ser encaminhada a uma unidade de saúde em Florianópolis, teve negado o procedimento para interromper a gestação. No Hospital Universitário, o processo é permitido até 20 semanas de gestação.

A criança, que tinha 10 anos quando foi ao hospital, corre risco a cada semana que é obrigada a levar a gestação adiante devido à sua idade, segundo laudos da equipe médica anexados ao processo.

A juíza Joana Ribeiro Zimmer afirmou, em despacho de 1º de junho, que a ida ao abrigo foi ordenada inicialmente para proteger a criança do agressor, mas agora havia outro motivo. “O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”.

Situação foi revelada em reportagem dos sites Portal Catarinas e The Intercept nesta segunda-feira (20). O caso foi parar na Justiça.

“Apesar de argumentar em juízo que quer o bem da filha, o fato é que se a menina não estivesse acolhida, teria sido submetida ao aborto obrigada pela mãe, portanto, diferente de proteger a filha, iria submetê-la a um homicídio”, escreveu a juíza na decisão. Nesse sentido, a juíza fundamentou que o aborto só seria possível com menos de 22 semanas de gestação ou 500 gramas do feto.

Em audiência no dia 9 de maio, ainda Justiça e Promotoria propuseram manter a gestação por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar a sobrevida do feto.

“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, perguntou a juíza para a menina durante audiência gravada em vídeo.A menina já caminha para a 29ª semana de gravidez. Uma gestação leva, em média, 40 semanas.

Em 4 de maio, quando foram ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, o HU, ligado à UFSC, a mãe e a menina afirmaram à psicóloga do hospital que não queriam manter a gravidez, segundo laudo da profissional.

“Logo, não se impediu o aborto da menina, porque passado o prazo legal e também o tamanho adequado para o bebê, o que foi impedido por esse juízo foi o cumprimento de uma ordem que já não era mais de aborto e só não foi cumprida porque a menina estava institucionalizada, pois se estivesse com a mãe, teria sido realizado o procedimento sem a salvaguarda da vida do bebê”, considerou.

A magistrada ainda escreveu, no despacho, que menina passou por três avaliações médicas recentes e que, em nenhuma delas, se falou em risco para a saúde da menor:

“Ora, a existência de dois laudos diversos de autoria da mesma equipe, com poucos dias de diferença, um indeferindo administrativamente o pedido de interrupção da gestação e outro requerendo-o enquanto o primeiro atesta inexistência de risco de morte da gestante e o segundo funda-se no risco geral da saúde da menina por causa da idade sem, friso, apresentar qualquer informação sobre o quadro de saúde dela. Anoto, a menina já passou por três avaliações médicas, todas recentes, sem que os médicos indicassem a interrupção por risco à sua integridade física”.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina afirmou que o processo está em segredo de Justiça, pois envolve uma criança, e que instaurou um pedido de providências na esfera administrativa para apuração dos fatos.

O órgão informou, ainda, que “tratando-se de questão jurisdicional, não cabe manifestação deste Tribunal, a não ser por seus órgãos julgadores, nos próprios autos em sede de recurso”.

A menina sofreu a violência aos 10 anos. O Conselho Tutelar da cidade em que a criança morava quando foi violentada acionou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Procurado, o órgão que ingressou com o pedido para acolhimento da criança a um abrigo de forma provisória informou que “se manifestou pela autorização da realização da interrupção da gravidez de forma antecipada”. No entanto, a “realização depende de uma decisão balizada por critérios única e exclusivamente médicos, de modo a preservar a vida da infante e do nascituro”.
De acordo com informações do G1 o Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, onde a menina inicialmente foi atendida, emitiu em nota que a unidade disse que não repassa informações sobre procedimentos relacionados ao prontuário de pacientes. “Além disso, manifestações, no momento, não são possíveis porque o caso corre em segredo de justiça”.

O hospital é referência para o município de Florianópolis para a interrupção legal da gestação desde 2005 e informou que segue as portarias e normas técnicas definidas pelo Ministério da Saúde em relação ao procedimento.

“Quando ocorre de ultrapassar o limite da idade gestacional estabelecido pelo protocolo para conduzir o procedimento, orientamos a família a recorrer judicialmente para assegurar esse direito. Realizamos inúmeros encaminhamentos ao poder judiciário que, normalmente, defere o pedido com agilidade, compreendendo a complexidade e urgência da situação. No entanto, há situações, pontuais, cuja conduta do poder judiciário não corresponde à expectativa da equipe assistencial do HU em atender as demandas de saúde na sua integralidade”.

“É importante destacar que o procedimento de aborto legal no HU depende desta autorização da justiça quando ultrapassa as 20 semanas e 00 dias. O MP não baseou seu pedido no parecer da equipe especializada do HU-UFSC. Em todas as circunstâncias o HU buscou garantir a assistência em saúde e os direitos humanos à criança, ofertando assistência à saúde, e avaliação da equipe multidisciplinar em relação à melhor conduta para a situação. Esta instituição, que é uma das únicas do Estado de Santa Catarina a oferecer um serviço de aborto legal, sempre trabalhou com intuito de assegurar o direito das mulheres”.

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