Paulo Afonso, 18 de maio de 2024

Esporte

ESPECIAL: Seu Antônio do Mutirão – Na memória para sempre

23/07/2019

Por Félix Ramon

Seu Antônio do Mutirão é muito mais que um simples treinador, é um homem que inspira e motiva uma juventude marcada pelo perigo da violência e das drogas.

Apresento à vocês  caros leitores, uma figura ímpar na nossa sociedade, dessas de orgulhar qualquer um, um batalhador e incentivador do futebol local, que vai além de ensinar fundamentos do futebol, um homem que se preocupa com a formação do cidadão do seu bairro.

Aos 82 anos de idade, casado, aposentado, ainda está preocupado com as crianças e com os jovens de sua comunidade.
Ele mantém um projeto de futebol para crianças de 9 a 14 anos, que acontece aos sábados pela manhã no campo do mutirão, time que ele comandou desde 1988 quando recebeu o convite de dona Noêmia, até o ano de 2017, quando saiu do comando do time principal, o seu projeto aos sábados, recebe cerca de 40 crianças.

Equipe do Mutirão – Vice-Campeão da Copa do Bairro 1997

Seu Antônio dos Santos, na certidão de nascimento, datada de 16 de março de 1937, nascido em Penedo Alagoas, aqui mudou de nome em 1988, não por vontade própria, mas pela vontade dos vizinhos e amigos, e se tornou Antonio do Mutirão.
Nosso amigo viveu na sua cidade natal até os anos 70, gostava muito de jogar bola, jogava o dia todo se deixassem, lá casou se e logo viria muita responsabilidade, assim dividia a bola com a difícil tarefa de matar boi brabo, dizia que tinha muito medo quando os bois arrastavam o pé para trás, aliás, naquela época era comum matar o próprio gado, na sua propriedade, e depois vender para conseguir um melhor lucro.

E, assim, sempre jogando bola vivia seu Antonio, primeiro no seu time de bairro o Santo  Antônio, depois foi subindo, e como era um bom jogador destacou-se, indo parar no penedense que era o melhor time da cidade, e que inclusive esse ano de 2019, jogou o campeonato alagoano.
Seu Antônio fez testes em outras equipes alagoanas, equipes de ponta como o C.R.B, o C.S.A e o Ferroviário, recebeu propostas para ficar nestes clubes, mas na época os times só ofereciam moradia, não tinha salário, só ganhavam alguma coisa quando havia jogo do campeonato e se vencessem, era o famoso “bicho”, pago a cada vitória, que aliviava o bolso dos atletas.

Troféu de Vice-Campeão da Copa do bairro de 1997

Para seu Antônio, jogar profissionalmente sem uma remuneração fixa não servia, ficaria longe da família e não teria como manter os compromissos de marido e chefe da família, tinha que ter como se sustentar.

Quando seu sogro lhe ofereceu um açougue para cuidar, seu Antonio não teve duvida, já que poderia trabalhar em Penedo e com as condições para sustentar sua família, sem ter que abandonar a sua paixão, e assim aconteceu, seu Antônio foi levando a vida jogando bola e matando bois.

Em 1970 porém a vida do nosso amigo muda, pois a convite de um familiar, seu Antônio assumiu uma vaga de vigilante no Banco do Brasil em Paulo Afonso, morava na Avenida Marechal Rondon com sua família, depois de um tempo ele saiu do banco e passou a trabalhar para a prefeitura, na mesma profissão, até a sua aposentadoria.

Após um período de 18 anos, de 1970 a 1988, Seu Antônio deixa o centro da cidade e vem morar no Mutirão da Moradia, projeto realizado no governo do então prefeito Zé Ivaldo, para participar do projeto e receber a sua casa cada participante tinha como obrigação ajudar com a mão de obra, o prefeito conseguiu recursos para a compra do material, já que os terrenos eram da própria prefeitura, e assim conseguiu realizar um projeto de moradias, com 68 casas, uma delas a de seu Antonio, que foi, diga se de passagem, um mutirante exemplar.
Foi assim que nosso amigo Antônio veio morar no BTN.

Equipe do Mutirão Campeão do Campeonato Municipal do BTN 2003

O futebol é a paixão maior do brasileiro e no Mutirão da Moradia não poderia ser diferente.
Assim que se instalaram nas suas casas foi criado o time de futebol do Mutirão, Dona Noêmia, uma figura carimbada do conjunto habitacional, assumiu a direção do time e comandava tudo com voz forte e muita disposição (iremos falar dela em uma futura reportagem).

Mas Noêmia tinha muitas atribuições, tinha o clube de Mães, a associação de moradores e muito mais, por isso convidou seu Antônio para conduzir o futebol.

Seu Antonio titubeou no começo, pois aconteciam muitas brigas, muita bebedeira e muitos palavrões. No entanto como o campo era nas proximidades da sua casa, acabou por aceitar o desafio impondo uma condição básica: “eu dou o respeito e quero ser respeitado, se me faltar com o respeito, mando embora, pode ser quem for”.

O time foi jogando, criando entrosamento e paralelamente a isso seu Antônio fazia grandes amizades: Sargento Jaime, Bala, Netinho, pessoas que trabalhavam e ajudavam o esporte a crescer no bairro.
Seu Antônio lembra com muito carinho dos dois principais times que passaram por sua mão: O time de 1997 vice campeão de uma Copa de Bairro, e o time campeão do Campeonato de Futebol do BTN de 2003.

Troféu de Campeão do Bairro em 2003

Este último de 2003 com o apoio e a parceria de Luizinho do Compare e Compre. Luizinho foi um grande incentivador do futebol no bairro e infelizmente não está mais entre nós, e para seu Antônio, sua morte representou uma grande perda para o nosso futebol.

Ele nos conta, que no ano de 2003 o empresário queria formar um time para ser campeão. Dizia Luizinho que “se não fosse para ganhar não colocaria o time”. Seu Antônio concordou, desde que Luizinho não contratasse jogador por dinheiro e nem fizesse agrados aos atletas para não viciá-los.
Luizinho aceitou a condição na hora, mas seu Antônio sabia que sabia que pelas suas costas, o empresário, que sempre negava veementemente, pagava sim “bicho” por vitória aos atletas.
Resultado da aliança: O título inédito do campeonato de bairro.

Seu Antônio comandou o mutirão em seus dias de luta e seus dias de glória, decepcionado com a história que o esporte tomou, seu Antônio reclama da falta de apoio, e diz que “o pouco que vem não passa de migalhas”. São migalhas mesmo, para uma história tão importante como é a do futebol do bairro, que não só salva pessoas, como atravessa gerações mudando histórias e vidas.

Por isso e com a amargura dessa decepção, nosso amigo deixou o comando do futebol principal do Mutirão desde 2017, ano em que novamente conquistou um vice campeonato de bairro.
Agora seu Antonio se dedica com todas as suas forças e seus parcos recursos ao seu projeto de inserção de crianças na prática do esporte.
São cerca de 30 a 60 crianças do bairro praticando futebol, socializando, interagindo e aprendendo cidadania; Aprendendo a dividir as inúmeras experiências que o esporte é capaz de proporcionar.

Seu Antônio lamenta a ausência do seu grande parceiro e fiel escudeiro Wesley, jogador de futebol, e, faça se justiça, foi um dos grandes volantes que atuaram no futebol do bairro. Wesley precisa trabalhar no “trecho” para conseguir o seu sustento.
Sem seu auxiliar e já com 82 anos de idade ele diz que é difícil comandar o time, principalmente levando em conta a falta de organização do futebol amador do bairro.

Após ouvir tantas promessas e não vê las cumpridas e ante tantas dificuldades, prefere não participar mais do futebol de competição.
Uma pena para quem gosta e faz futebol, e não ver ser valorizado o maior patrimônio do esporte que são as pessoas.

Um forte abraço e muita saúde para seu Antônio do mutirão, que ele viva por muitos e muitos anos e que consiga conduzir o seu projeto tirando mais crianças das ruas e dos perigos a que são expostas.
Parabéns Seu Antônio.
Essa é uma pequena homenagem do Portal Tribuna Mulungu.

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