Paulo Afonso, 28 de março de 2024

Jânio Ferreira

Douglas Souza corta na cara do preconceito

Por Jânio Ferreira Soares

No começo dos anos 70 eu sempre me inscrevia no time de vôlei pra participar dos Jogos Estudantis de Paulo Afonso, mesmo não jogando nada. “Mas então, pra que se aventurar por águas nunca dantes, ô seu velho ribeirinho?”. Além da farra em si, preocupado leitor e curiosa leitora, minha motivação era a dispensa das aulas no período das competições, que compensava a dura preparação física. Explico.

Como vivíamos numa área de segurança nacional e em plena ditadura, os treinadores eram militares da 1ª Companhia de Infantaria do Exército, instalada aqui em 1954 com a finalidade de proteger o complexo hidrelétrico dos comunistas (ui, que meda!).

Assim, nosso técnico era o sargento Teixeira, que nos treinava com os métodos aplicados aos recrutas, ou seja, longas baterias de polichinelos, agachamentos e flexões, finalizando com voltas ao redor do campo, pro meu desespero.

Lembro-me de que certa vez, aproveitando que ele anotava algo na prancheta, comecei a diminuir meu percurso me aproximando cada vez mais do círculo central, quando ouvi aquele característico brado da caserna: “Ei, mocinha do cabelo encaracolado, trate de voltar pro meio da tropa!”. E aí, a “mocinha” aqui, com a cabeleira de Moraes antes de ser Moreira e já devorando O Pasquim, lendo os poetas e ouvindo velhos e novos baianos, apenas sorriu e pensou: “Ah, se ele me visse de Caetano no Carnaval que passou, botando pra quebrar com uma bata plissada sobre um shortinho de malha colado nessas coxas de sibito!”.

Recordei dessa história no começo das Olimpíadas, quando minha filha Júlia me mostrou as performances de Douglas Souza no Instagram. Admito que não o conhecia, pois meu interesse pelo vôlei terminou com aquela genial geração do primeiro ouro olímpico em 1992, cuja narração de Luciano do Vale já valia uma medalha.

Mas diante de um gay assumido arrasando dentro e fora das quadras voltei a ver alguns jogos, principalmente pra ficar imaginando a raiva desses homofóbicos que perderam completamente a vergonha de externar seus trogloditismos depois da posse do capitão – aí incluindo alguns jogadores do time. Sim, porque ao vê-lo como se fora um resolvido tio de Bambi bloqueando a intolerância e acertando uma bolada bem na cara do preconceito, os reaças de plantão devem ficar loucos pra imitar Elvis Presley, que quando se revoltava com algo na TV pegava o revólver e metia bala na tela, como se tiros pudessem eliminar de sua vida tudo aquilo que não refletisse seus conceitos.

Portanto, mil vivas a Douglas e, por que não?, àquela “mocinha”, que depois do treino passou pelo sargento assoviando Besta é Tu, uma canção recém-lançada por uns cabeludos baianos que, por ele, estariam de nuca raspada e trotando pelas ruas ao som de: “Quando eu Morrer Quero ir de FAL e de Beretta”. Já eu, agora “velhinha”, continuo avoando bem cedinho, pra dar milho aos passarinhos e pra ver o Sol nascer.

*Jânio Ferreira Soares é Secretário Municipal de Esportes e Cultura de Paulo Afonso e Colunista do jornal A Tarde.

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